Estudantes do 2º ano do Ensino Médio do Poli levaram tão a sério essa pergunta que realizaram um júri simulado
No mundo da literatura brasileira, há um debate interminável: Capitu traiu ou não Bentinho? Os alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Politécnico, mantido pela Fundação Ubaldino Amaral (FUA), mergulharam tão a fundo na clássica pergunta, que uma discussão costumeira de sala de aula se transformou em, literalmente, um júri. Divididos entre testemunhas, jurados, advogados de defesa e de acusação, eles julgaram a suposta traição de Maria Capitolina Santiago.
A atividade, inspirada no romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, foi realizada no Itinerário Formativo de Língua Portuguesa, conduzida pelos professores e pelos coordenadores pedagógicos Carlos Eduardo Leite e Jonathan Quintiliano Monteiro, responsáveis pelo Ensino Médio. Durante as aulas, conceitos e estratégias de argumentação foram ensinados aos estudantes, bem como aspectos judiciais de uma petição inicial e de um habeas corpus. Paralelamente, o clássico da literatura era analisado e interpretado com foco na questão-chave: se houve ou não a traição de Capitu.
Carlos Eduardo acredita que o júri de Capitu transformou o ambiente escolar em um verdadeiro teatro, onde a criatividade e a emoção caminham lado a lado com o aprendizado. “A obra, cheia de sutilezas e mistérios, pede uma abordagem mais interativa, e o formato de tribunal do júri foi o caminho perfeito para isso. Portanto, quisemos trazer o drama e a emoção do dilema dos personagens principais para o coração da sala de aula, permitindo que os alunos se tornassem protagonistas dessa história”, aponta.
Para adentrar ainda mais no espírito jurídico, o tribunal da Faculdade de Direito de Sorocaba foi palco para a audiência. A experiência imersiva, segundo a professora Cassia Funes, tornou a vivência pedagógica inesquecível. “Os alunos se comportaram realmente como jurados, advogados e personagens. Cada um entregou o melhor de si, até mesmo a plateia estava envolvida com o caso, como se fosse real mesmo. Acredito que eles levarão esse dia para o resto de sua vida, como eu também levarei”, afirma.
A professora Jordana Romero Silva, por sua vez, cita as habilidades de comunicação adquiridas com a proposta, além do autoconhecimento e empatia. Para ela, mais do que um exercício intelectual, a leitura de clássicos proporciona uma experiência emocional profunda, levando à reflexão sobre questões universais.
“A leitura de clássicos literários nos conecta a diferentes épocas, culturas e perspectivas, permitindo explorar modos de vida e pensamentos de outros tempos”, explica Jordana. “Além de expandir o vocabulário e aprimorar habilidades de escrita, essas obras enriquecem nossa interpretação de textos, ajudam a compreender a história e a sociedade, mostrando temas recorrentes que ressoam até hoje”.
Advogados de defesa
Ana Caroline Rolim Lopes e Bárbara Lopes Toledo Falasca, ambas de 17 anos, e Feliciano Santos da Costa, de 16 anos, embarcaram no desafio de defender Capitu. Naquele júri, eles saíram da posição de alunos e se tornaram advogados e auxiliares de defesa.
“Para sustentar nossa argumentação, usamos bastante o lado psicológico do narrador, o Bento Santiago, e o fato dele querer manipular os leitores para enxergarem somente o seu ponto de vista”, conta Ana Caroline. “Além disso, também trouxemos para o júri o fato dele se contradizer um pouco durante as suas narrativas”.
Para a aluna, que planeja cursar direito, a experiência foi muito positiva. “Foi uma proposta muito boa, porque nós assumimos a posição de protagonistas e aprendemos a nos posicionar”, acrescenta.
Feliciano também cita os demais assuntos abordados durante o preparo do júri. “Nós tivemos contato com diversos temas, desde literatura até história. Ao mergulhar na narrativa, também conhecemos como era a época, as condições financeiras e de classes, até mesmo fatores psicológicos. E isso é legal, percebemos que não é somente um livro, está tudo interligado”, relata Feliciano.
Já Bárbara, assim como a professora Cassia Funes, considera a vivência pedagógica inesquecível, uma vez que nunca mais esquecerá sobre a mensagem do clássico. “Percebo que, não somente para nós, que falamos e argumentamos, mas para as pessoas que estavam assistindo à experiência, também foi incrível”, pontua.
E a acusação?
Do outro lado, Christian Neres de Souza, Nicolas Rigazzini e Lucas Santos Machado, todos de 17 anos, apresentaram argumentos para comprovar que a traição existiu.
“Do livro, nós trouxemos a relação da Capitu com Escobar, a maior evidência da traição. A partir deste ponto, também abordamos aspectos psicológicos dela, bem como as atitudes que ela tinha com Bentinho na infância”, conta Christian.
Muito além de se aprofundarem na história, os alunos aprenderam e praticaram a oratória. “Lá na frente, diante do público, nós precisávamos persuadir as pessoas por meio das nossas falas. Os nossos argumentos tinham de se sobressair dos demais” aponta Nicolas.
E no fim, Capitu traiu ou não?
Depois de ouvir as testemunhas e os advogados, o tribunal do júri decidiu que Capitu era culpada de todas as acusações, isto é, que a traição existiu. (Beatriz Falcão)