Ler as obras de Clarice Lispector é se confrontar com uma literatura que foge completamente do lugar-comum, porque seus textos não se prendem à mera estrutura de uma narrativa linear, a chamada ‘decupagem clássica’, ou seja, contar uma historinha com começo, meio e fim.
Como assim? É simples: em Clarice os pensamentos ganham mais relevo do que os fatos do cotidiano. Tanto que recebeu o injusto carimbo de ‘escritora hermética’ (fechada) ou dona de uma prosa psicológica de difícil compreensão, ou seja, autora muito difícil. Isso porque ela rompeu com o formato do romance convencional.
Exageros à parte, uma coisa é certa: Clarice não faz concessão. Ou seja, não escreve para agradar, mas para ‘desabrochar o interior de cada indivíduo’. Assim, ninguém fica indiferente diante dela, pois seus textos ‘abrem fendas nos neurônios’. Traduzindo: o leitor passa a ter uma nova visão sobre a vida.
Para entender tudo isso, é preciso observar que, em Clarice, os acontecimentos não passam de situações corriqueiras que fazem parte da vida de qualquer mortal. Explico: os fatos apenas servem de pano de fundo para que a verdadeira história se imponha. Assim, sua ficção não se restringe ao ato de contar algo sobre alguém, pois seus textos fogem do padrão daquilo que a maioria conhece por literatura.
Desse modo, a autora constrói duas histórias, uma que se compõe da rotina que ajuda a formatar o enredo, e outra que se passa no interior da mente dos protagonistas, melhor dizendo, das protagonistas, já que as mulheres ganham vez e voz. A grandeza de Clarice está nos devaneios que revelam um inconformismo diante do ‘mundo dos homens’.
Se você ficou curioso, leia o mais popular de seus livros: “A hora da estrela”, sobre uma jovem nordestina que tenta sobreviver no Rio de Janeiro, mas enfrenta toda a adversidade possível. No volume de contos “Laços de Família”, a autora mostra mulheres inconformadas com a banalidade da existência.
Outra dica: “Pulsações – sopro de vida”, uma espécie de antítese de Macabéa, pois Ângela, protagonista do último livro escrito pela autora, antes de partir, em 1977, vítima de câncer, é bela, porém, perversa. A retirante, no dizer de Rodrigo S.M., narrador de “A hora…”, não tem nenhum atributo físico, é desajeitada para a vida, porém ingênua.
Por hoje é só! Boa leitura!